quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Bruxelas

Ontem de noite resolvi, mesmo cansado, sair e procurar algum lugar para comer. Depois de olhar uns três lugares, escolhi um que parecia bonito e tinha um preço razoável. Pedi mexilhões com fritas, ou mulles con frites. No lugar do vinho, cozinharam com cerveja. E para beber, cerveja, do mesmo tipo utilizada para cozinhar. Comi na medida, não fiquei com fome nem estufado. 

Acordei cedo e logo fui me arrumar, hoje eu ia para um pouco mais longe, Bruxelas. Deu tempo de tomar café da manhã na estação. A viagem foi tranquila e pude ler um pouco. O problema de entrar em lugar aquecido é que sempre os lugares estão muito quentes e preciso tirar casaco, aí volto para a rua, tenho de colocar o casaco. E fico nisso o dia inteiro.

Cheguei e estava chovendo em Bruxelas. Logo que saí da estação dei de cara com um bar da Brewdog, uma cervejaria da Escócia que já visitei em Edimburgo, Londres e São Paulo. Era cedo, resolvi rodar pela cidade. Dei uma volta e cheguei em alguns pontos que eu havia marcado no mapa. Tentei achar uma atração, mas fiquei dando voltas em várias ruas que passavam ppr obras. Mudei o itinerário e cheguei à praça central. 

Por uma dessas sortes de viajante, havia um passeio grátis saindo dessa praça. Isso foi muito conveniente. Chovia, estava frio, eu já estava com os pés molhados e parecia que seria um daqueles dias tristes pela frente. Comecei falando com os guias em espanhol porque eles conversavam nesse idioma, quando pedi informação, o passeio seria em inglês. Resolvi fazê-lo.


O guia, Maxmilien, parecia o príncipe Harry, mas não ruivo, loiro. Usava um daqueles chapéus estilo avô de golfe. Era muito acessível e tinha muito conhecimento de sua cidade. Começamos pela Grand Place, uma praça que em tempos medievais era centro de comércio. La ficava a prefeitura, um edifício que começou a ser construído em 1401, e que, junto com a praça, foi bombardeado em 1695 por Luís XIV, o rei sol. Para variar, destruição, reconstrução e a praça ficou novamente pronta em cinco anos. Aqui há uma curiosidade, a prefeitura foi construída em duas etapas, primeiro a torre central e o lado esquerdo do edifício, cinquenta anos depois a parte da direita. E como resultado, um prédio completamente assimétrico.

Dali seguimos para uma estátua bem famosa, Manekken Pis. É um garoto fazendo xixi. A estátua provavelmente remete às doações de amônia, encontrada abundantemente na urina, que é usada para mudar a coloração do couro. Esse seria um ponto de receptação de urina, os doadores recebiam pão em troca. 


Seguimos nossa rota, passamos pela bolsa de valores, que segundo o guia, é uma invenção belga. Em vários idiomas a bolsa de valores tem como raiz a palavra burse, que seria o sobrenome de uma família que disponibilizava os jardins de sua casa para a negociação de preços. 

Nesse mesmo ponto o guia fez uma digressão sobre a origem da denominação inglesa para batata-frita. Como os americanos estacionados na primeira guerra não conseguiam diferenciar idioma de nacionalidade, chamaram as batatas de french fries. Os belgas querem que a reparação histórica seja feita. Mas cá entre nós, a melhor batata da região que eu comi até agora foi na Holanda. 

Depois da explicação das batatas, escutamos a explicação da cerveja e como a lei de pureza da Alemanha travou o desenvolvimento de novas variedades, e, como os belgas se desenvolveram neste assunto. Uma das cervejas famosas daqui é proibida de ser exportada, e, sabendo disso, guardei o nome para depois buscar.

Seguimos pela Galeria Nacional, lá fomos à primeira loja na qual venderam chocolate na Bélgica, aliás, não era uma loja, era uma farmácia. E daí nasceu toda uma cultura que até hoje persiste. O curioso é que nem o cacau nem a batata são daqui, no entanto o país é conhecido por isso. A cerveja daqui é famosa, mas talvez a Alemanha e a Inglaterra sejam mais conhecidas por isso. Falta à Bélgica marketing!

No centro visitamos um mural inspirado em desenhos de quadrinhos. Se há algo que os belgas gostam são quadrinhos. Eu fiquei surpreso de descobrir que os Smurfs são daqui. O Tin Tin é famoso e se sabe que é daqui, agora, os Smurfs eu não sabia.

Paramos um pouco num café, era hora para tomar uma cerveja. Ficamos de papo. Havia muita gente da Malásia. Fiquei de papo com um cara que era filho de indianos, mas nascido na Malásia, mas que mora na Califórnia. O mundo é isso, uma mistura de gente de todos os lados. Sem contar que sua esposa era da Malásia, mas de origem chinesa. E mais, sem levar em conta o fato de que a Malásia não mantém relações diplomáticas com Israel. 

Seguindo nosso caminho, passamos pela Catedral de Bruxelas. O edifício é imponente e compartilha diversas características com a catedral de Notre Dame, já que foram construídas na mesma época. Neste ponto está marcado um dos caminhos que leva a Santiago de Compostela, uma das famosas rotas de peregrinação. Aqui conheci um pouco da história da Bélgica, que surgiu como país em 1831, após uma revolução em que se separaram dos holandeses, em sua maioria protestantes, em contraste com os católicos do sul do Reino.


Para fechar o tour fomos a uma galeria construída por Leopoldo II, o camarada que com um exército de mercenários conquistou e destruiu o Congo para fins exclusivamente de espólio e não em nome do país, mas a benefício próprio. Segundo nosso guia, até hoje o tema não é abordado em escolas. Mas para não terminar com essa triste história, visitamos o jardim em homenagem a Alberto I. Ele falou ao parlamento pregando resistência, movimento esse que deu tempo à Inglaterra e à França de se prepararem. Embora muito inferior em quantidade, em torno de um décimo do tamanho das tropas alemãs, os belgas conseguiram frear os alemães inundando seus próprios campos. O passeio terminou, de fato, mais heróico do que o episódio anterior.


Terminado o passeio fui com o casal de malaios comer no restaurante recomendado, chamado Rugbyman I. Por coincidência fomos atendidos por António, um português. Não somente isso, por sugestão do meu chefe, repetida à exaustão, provei um Sole a meunière. Estava realmente muito bom, mas o curioso é que depois que descobri que se tratava de um linguado fiquei menos impressionado.

Segui meu rumo, eu tinha muito a fazer. O plano era simples, cerveja, batata-frita e chocolate. Se possível, mais cerveja. Tentei ir no primeiro bar recomendado, rua em obras. Passei para o segundo, Au bon vieux temps. Que sorte que fui direto para o segundo. O bar era muito charmoso, cheguei falando em francês que eu não sabia falar francês. Fui muito bem recebido quando falei que era brasileiro.




A primeira coisa que fizeram foi me pedir para assinar uma bandeira do Brasil. Interessante. Ficamos um pouco de papo, a atendente, dois senhores e eu. Pedi a tal cerveja que é proibida de ser exportada: Westvleteren. Doze graus de álcool. Caríssima, mas realmente boa. Conversamos sobre geografia, idiomas, história, política e diversos outros assuntos. Que tarde agradável. Às vezes eu acho que me saio melhor quando estou em uma situação desconfortável. Quero dizer, viajando, sozinho, sem dominar o idioma local. O senhor que estava ao meu lado me recomendou uma segunda cerveja, dessa vez "apenas" dez graus, e muito mais barata. Igualmente boa. Cada cerveja tem o nome de uma localidade, e eu pensando como inventavam estes nomes. 


Depois de duas horas e meia de ótima conversa fui comer uma batata frita, que como já contei, não foi minha preferida. A seguir voltei às galerias nacionais para comer chocolate. Provei alguns na loja onde as primeiras pralinês (castanhas recobertas com açúcar cristalizado) de chocolate foram feitas, chamada Neuhaus e depois fui a uma loja chamada Mary. Foi nessa segunda que provei o chocolate rosa, que tem essa coloração por uma modificação no processo de produção, sem adição de corantes. Todos os chocolate eram saborosíssimos. Derretiam na boca e não eram muito doces. A variedade com a cor rosa se chamava Pink champagne truffle. Meu preferido, no entanto, são os mais amargos.


A caminho da estação eu sabia o que fazer, uma última parada no bar da Brewdog e tomar uma stout com gosto de café para encerrar o passeio. Para um dia que parecia que ia terminar cedo pela chuva e frio, ele rendeu.

Nenhum comentário: