quinta-feira, 30 de maio de 2019

Cinque Terre

Com o atraso do ônibus da noite anterior, acabei indo dormir mais tarde, depois de jantar. E como dormi mais tarde, resolvi acordar um pouco mais tarde, quer dizer mais perto de sete do que de seis. Mas não basta ter um plano. Às cinco da manhã alguém estava fazendo algum conserto, digamos, de maneira muito ruidosa. Forcei e dormi um pouco mais.

Acordei revigorado. Tomei um banho, desci para o café, que aliás, começa às sete da manhã. Isso é algo bem diferente do que estou acostumado em hotéis. Fui para a estação de trem e tentei trocar a passagem que comprei na internet pelo bilhete físico, não foi possível.

Comprei a passagem para Cinque Terre, melhor dizendo, comprei as passagens para a jornada, porque é disso que se trata. O nome sugere, mas até chegar aqui eu não tinha confirmado, Cinque Terre são na verdade cinco pequenas cidades, ou terras, numa escarpa. Elas são próximas umas às outras. 

O processo para chegar ao local foi longo: um trem de Florença à Pisa, dali um trem a La Spezia e depois um trem especial. O passe desse último trem dá acesso ao parque, banheiro público e quantos trens queiramos entre as cinco cidades. Eu fui direto para a mais longe, Monterosso. Com todo esse percurso, eu cheguei perto de onze da manhã.

A baía de Momterosso

A marina de Monterosso
A praia perto à estação

Essa é a maior das cinco cidades e foi nela que fiquei mais tempo. Ela não é a mais bonita, mas há o que se ver. Eu havia conseguido algumas dicas com os espanhóis, então tinha alguma ideia do que fazer e de onde comer.

Andando em direção à torre encontrei as paredes de uma antiga prisão
A torre de Monterosso

O outro lado da baía

Depois de uma volta pela praia subi em alguns mirantes e visitei uma igreja no alto de uma montanha. Já estava com fome então devo a indicação de restaurante e escolhi algo típico, mexilhões recheados. Eu gostei do prato, nunca havia visto algo parecido. Parece que há muitos bons restaurantes na ilha e os preços são bem acessíveis.

A principal praça da cidade

Outra vista da mesma praça

Detalhe da construção local
Mexilhões recheados

Já alimentado, resolvi seguir visitando alguns pontos da ilha. Havia uma estátua no local que eu já havia visitado, tentei achar, mas apesar de subir mais e mais não chegava. Achei melhor seguir viagem. Fui para estação e aguardei o trem para fazer a segunda viagem, o próximo destino foi Vernazza.

A chegada à Vernazza

Em quase todo o trajeto o trem permanece debaixo das montanhas, há pouca oportunidade para ver algo, mas em geral as estações nas quais o trem parava ficavam em locais abertos. Não em Vernazza. Nela o trem pára num túnel com apenas um vagão ou dois para fora. E não é só isso, a plataforma é bem apertada.

Essa segunda vila é bem pequena. Como andaria o dia inteiro já fui me preparando do ponto de vista de energia. O primeiro que fiz foi tomar um sorvete. Segui descendo a rua principal, que parece ser a única da cidade. Cheguei ao porto. O mar estava agitado, pedras faziam um quebra-mar e mesmo assim uma parte da estrutura estava com acesso interditado.

Passei por cima das pedras para ver a cidade de outro ângulo. Quando cheguei ao outro lado comecei a notar o barulho que as ondas faziam ao encontrar as pedras. Continuei tirando umas fotos, olhando a cidade quando escutei alguém gritando. Uma onda havia molhado completamente um casal que atravessava o mesmo lugar que eu usei para chegar onde estava. Foi aí que olhei para a parte debaixo do muro e vi que estava tudo molhado.

Bom, se eu quisesse voltar era bom ficar esperto. Ponderei e achei que era melhor voltar por cima, assim pelo menos eu saberia quando me movimentar entre as ondas. Quando comecei a andar para o lado de onde cheguei um cara se meteu no meu caminho de volta. A onda estava chegando, eu quis voltar e lá estava o cara bloqueando o meu caminho, dei um chega para lá, mas escapei da onda. Logo voltei e fui correndo para o outro lado, no final do percurso dei um salto o que conferiu certo heroísmo à cena.

As pedras nas quais a água se chocava
A vista da praia

A enseada

Com apenas alguns respingos segui meu trajeto de volta para pegar o trem com destino à próxima cidade. Já fiquei mais tranquilo com relação ao horário porque vi que as cidades seriam menores. Fiquei esperando o trem na plataforma, que vocês vão lembrar, era um túnel. Em determinado momento o controlador avisa pelo sistema de áudio que todos os passageiros deveriam ficar depois da linha amarela e, quase que instantaneamente, escutamos um som de trem, uma buzina alta se aproximando e numa sequência bem rápida um trem passando em altíssima velocidade. O deslocamento de ar assustou a todos que se entreolhavam espantados. 

Pouco depois chegava nosso trem com destino à Corniglia. Essa cidade ficava no topo de uma montanha, diferentemente das outras quatro. O trem parava no sopé, e para chegar ao alto tínhamos de subir uma escada, ou melhor, uma série de escadas. O trajeto não era tão difícil, os degraus eram confortáveis. Lá em cima havia alguns mirantes lindos e algumas praças bem charmosas.

A estação de Corniglia

Lemmings ou pessoas?

A costa espetacular

Tomei um sorvete de limão com manjericão, que achei espetacular e como segundo sabor, frutas vermelhas. Em hebraico chamam frutas vermelhas de frutos do bosque, embora nunca tenha visto um bosque desses em Israel ou no Brasil. 

Uma passagem em Corniglia

 Casa na costa em cima da montanha

Vista após a subida

Essa cidade era bem diferente das outras quatro porque não estava tão próxima do mar. Caminhando por ela também notei que diversas casas tinham pequenas hortas e até criação de galinhas. As montanhas ao redor eram todas recortadas para a agricultura.

Vista de uma praça

 Uma igreja noutra praça

Limões enormes
Desci as escadas no pique e cheguei justo para pegar o trem para a próxima cidade, Manarola. Talvez essa tenha sido a cidade com mais trilhas e vistas espetaculares que visitei. O dia estava nublado, o que por um lado era bom, diminuindo o calor, mas por outro não tínhamos aquele espetáculo de luzes que só o sol do fim de tarde proporciona.

 Uma casa com roda d'água

Um córrego

Fiz algumas das trilhas, primeiro tentei encontrar a fonte da água que via correr como mini quedas e rios por todas as partes. Não encontrei, mas subindo cheguei a uma praça com uma igreja e uma bela vista. Tentei recarregar o telefone, mas meu banco de energia estava quase no fim, tive que segurar bateria.

A costa acidentada
Focaccia e outros pães

A vista dramática dos edifícios erigidos sobre pedra

Depois descansar um pouco, desci pelo outro lado e fui em busca da focaccia ligure, tradicional da região. Comi uma e tomei água, já estava sedento. Segui o passeio para o porto. 

Outra vista das casas

Tentando sorrir
Caminhei por mais mirantes, subi, desci e resolvi comer um pouco mais, desta vez um calzone com recheio pesto, que também estava muito bom. Dois argentinos pediram algo para comer em espanhol, trocamos algumas palavras e cada um seguiu com sua programação. 

Voltei para a estação de trem com a sensação de dever quase cumprido. Faltava apenas uma cidade, e foi para lá que fui, Riomaggiore. Assim que cheguei fui para a região do porto, lá notei um casal conversando em português e pedi uma foto. Ficamos conversando por um tempo, eles eram de Lisboa e moraram um bom tempo no Brasil, seis anos no Rio, seis anos em São Paulo e outros dois em Porto Alegre.

Também em Riomaggiore há casas mas pedras

Em diversos lugares

Foi um bate-papo interessante, me disseram para entrar em contato caso fosse a Portugal e me recomendaram diversos sítios judaicos para a visita. Fiquei ainda mais tentado em visitar Portugal.

A luz acabou chegando

Detalhe da aglomeração de construções
Vista do porto

Faltava visitar a região do castelo e foi isso que fiz. Uma subida relativamente íngreme me levou a uma igreja e dali subi ao castelo. Havia uma vista bem bonita e algumas pessoas aguardavam o pôr do sol. Eu estava bem longe do albergue e achei melhor voltar.

Em cada cidade havia pelo menos uma igreja

O vale emoldurava a paisagem

O sol se punha

O trem que me levou a La Spezia chegaria em dez minutos, foi o que vi quando cheguei à estação. Ainda deu tempo para ver a entrada de uma trilha fechada por conta de deslizamentos de terra. O trem chegou, embarquei para La Spezia.

A encosta contra o sol

O lado onde o sol indicia fortemente

Depois disso um trem para Pisa e finalmente um trem para Florença. Cheguei com dez minutos de atraso e mais de duas horas depois de ter visitado a última cidade. Já era tarde.

Combinei com o Rodrigo, um amigo do Bernardo, de ir tomar uma cerveja rápida. Quando cheguei no albergue o quarto estava cheio e ficamos de papo. Dois americanos, um tailandês e eu. Eu gosto muito dessas interações de albergue, pessoas tão diferentes que talvez não tivessem a oportunidade de se encontrar na vida não fosse o interesse por viagens.

No bar pedi um hambúrguer e provei duas cervejas. Uma pena que tenha ficado tão tarde, já que o papo estava bom. No dia seguinte partiria meu trem para Veneza, minha última parada antes de voltar.

Russian Imperial Stout

Hambúrguer de bacon

quarta-feira, 29 de maio de 2019

Monteriggioni, Siena e San Gimignano

Já ciente de que a organização da fila não tinha a menor possibilidade de ficar melhor de um dia para o outro, cheguei mais tarde para esse tour. Pouco depois de eu ter chegado ao ponto de encontro começou uma chuva. Isso não fez ninguém trabalhar mais rápido.

Mas dessa vez eu esperei menos, simplesmente pelo fato de eu ter chegado mais tarde, o que é um incentivo negativo. 

Com pouco atraso saímos para o nosso destino. O primeiro lugar a ser visitado era a fortaleza de Monteriggioni. Na idade média, Florença e Siena eram grandes rivais e essa fortaleza era uma importante defesa, já que fica a 9 Km de Siena. 

A praça central de Monteriggioni

Mais vista para a toscana

Uma das entradas de Monteriggioni

Florença nunca foi capaz de, através de ação militar, conquistar este posto. Porém, o responsável pelo forte era um florentino banido, que em troca de ser recebido novamente na cidade, abriu as defesas do forte para a invasão florentina. Como consequência todos os seus habitantes foram feitos escravos. 

Atualmente há quarenta e cinco moradores no local, de acordo com o guia. A fortaleza é muito bonita, embora pequena. Os muros e casas são construídos com pedras locais, e assim já começo a ver um padrão na arquitetura.

Deste pequeno lugar fomos a Siena, a maior cidade neste passeio. Lá tivemos o acompanhamento de uma guia que falava em espanhol. Dividiram o ônibus em dois grupos, um dos que falavam inglês e outro dos que falavam espanhol ou francês. No ônibus cada explicação durava três vezes o tempo, já que o guia repetia o conteúdo em cada idioma, nesta vista durou apenas o dobro.

A prefeitura

A bela fonte

A visita começou pela praça central (Piazza del Campo), que era rebaixada, em formato de quase um semicírculo. No lado que é mais reto ficava a prefeitura, uma faixa de pedra diferente do resto do piso partia do que parecia ser um sistema de coleta de água para o lado oposto onde ficava uma linda fonte de água. O resto do piso era de tijolos de argila.

O sistema para coleta de água

O que parecia ser um canal ou caminho para coleta de água
Vista da Piazza del Campo

Ao redor da praça ficavam diversos edifícios, chamados de palácios, que eram pertencentes às famílias mais ricas da cidade. A guia nos disse que o banco mais antigo do mundo, ainda em funcionamento, era de Siena e um dos edifícios pertencia a esse grupo econômico.

Há um evento bem famoso que ocorre ao redor da praça anualmente, é o Palio di Siena, uma corrida de cavalos ao redor da praça. São construídas arquibancadas ao redor do que é a pista de corrida e até quarenta mil pessoas se aglomeram no centro da praça para assistir a essa disputa. Ganha o cavalo que completar três voltas, com ou sem o jóquei. 

Seguimos até a catedral passando por algumas ruas que dividiam a cidade em bairros (barrios), cada um pertencente a uma família. A catedral tem uma história interessantíssima. Para rivalizar com Florença os nobres de Siena resolveram construir uma catedral que seria gigante, começaram a construção pelas paredes e quando estavam começando a construir o teto, a peste bubônica se abateu sobre a cidade.  

O que seria uma entrada lateral
A nave central ou estacionamento
A catedral e sua torre

Detalhe da fachada externa

Isso fez com que os nobres deixassem a cidade, metade da população acabou morrendo em decorrência da peste e como consequência, a construção da catedral foi interrompida. Com o tempo as paredes começaram a cair e o material acabou sendo, aos poucos, retirado para a construção de novas casas. 

Siena ao centro das cidades italianas
Preto e branco são as cores da cidade
Detalhe do vitral

Muito tempo depois a catedral foi concluída, mas num tamanho muito menor, e a construção foi feita apenas numa das asas da igreja. A nave central atualmente é um estacionamento, mas ainda é possível ver no chão onde ficavam as colunas.

O interior da catedral tinha muitos detalhes
O teto e a parte posterior da mini biblioteca

Os dois lados da biblioteca tinham livros
Detalhe dos livros expostos

Eu entrei na catedral para a visita, é uma das mais bonitas e ornamentadas que já vi. Há obras de Donatello e Michelangelo, dentre outros artistas. Um vitral representa a última ceia e há uma mini biblioteca com livros gigantes.

Voltei ao restaurante no qual almoçaríamos. De entrada bruschetta, depois macarrão à bolonhesa acompanhado de vinho da casa. Comi três pratos e um pouco de sobremesa, que eram os biscoitinhos com amêndoas e um outro doce feito com frutas secas.

Entrada
Doces de sobremesa

O dia continuava com uma visita a uma produtora de vinho e azeite. Assim que chegamos fomos divididos em grupos, os que falam espanhol foram para um lado, a responsável por fazer a apresentação dos produtos começa dizendo que não sabia falar espanhol. Belo introdução.

Fomos para uma sala e ela nos serviu um vinho, começou a falar do que é original. Serviu o segundo vinho, seguiu com esse papo de como saber se é original. Serviu um azeite, e mais explicações sobre como saber se o produto era autêntico. Até que chegou num vinagre balsâmico, vendido por mais de quarenta euros, falando como identificar a originalidade, já que aceto só é produzido em Modena. 

Eu comentei: pois é, o Brasil deveria dizer que café só se compra no Brasil, inventar um nome e registrar. E ainda emendei, não deviam chamar café algo feito na Itália. A moça se incomodou. Simplesmente porque apontei uma contradição. Eu me explico, um produto com denominação de região geográfica nada mais é do que uma tentativa de controlar o número de produtores elevando assim o preço da mercadoria vendida pela restrição da oferta. Como a limitação é geográfica ainda podemos relacionar este tipo de economia a fisiocracia, antiga filosofia econômica que dizia que a riqueza advinha da terra. Atualmente, através de processos químico, conseguimos balancear os minerais no solo da mesma maneira como se faz com a água para produção de cerveja, o que só reforça o meu ponto.

No nosso grupo tinham dois espanhóis da Galícia. Eu fiquei conversando com eles e explicando o efeito destas políticas econômicas, usei como segundo exemplo o salário mínimo e o efeito disso na economia. A Espanha sofre bastante com esse tipo de política. Eles me falaram que eu parecia um professor que eles tinham na faculdade. É incrível como as pessoas não pensa em termos econômicos e algumas observações podem mudar completamente a perspectiva delas. 

A visita me pareceu demasiadamente comercial, a vinícola havia sido fundada em 1988 e alguns dos vinhos sequer eram envelhecidos em barril de madeira. Além disso as vinícolas seguiam praticamente somente os critérios mínimos para entrar nas classificações legais europeias. Isso, para mim, é mais um indicativo de algo completamente artificial que foge da preocupação com um produto de qualidade, mas se alinha a uma estratégia de marketing. É claro que leis como essa não são novidade, a lei de pureza da cerveja na Alemanha ou as leis belgas, que acabou por gerar diversas cervejas diferentes, são exemplos.

A última parada para visita foi a cidade de San Gimignano. Eu adoro cidades medievais e todas as visitadas neste dia tinham estas características. Mas esta era bem especial e a luz do entardecer fez as paredes refletirem um belo tom. Um famoso sorvete que já foi considerado o melhor do mundo era vendido. Turistas se aglomeravam para provar e o processo até que funcionava bem. 

Entrada pelo portão San Giovanni

Essa me pareceu ser a à praça principal

Praça com árvore

Por uma destas coincidências encontrei com o Bernardo visitando a cidade, foi bem legal. Ficamos um tempo de papo, ele estava acompanhado de sua esposa e primos. 

Vista de uma das praças
Algumas das diversas torres da cidade

Vista para o vale

Segui explorando a cidade, suas vielas, pontos para vista panorâmica e suas lojas, que vendiam de cerâmica a produtos de javali. Já era hora de voltar, comprei uma cerveja e voltei feliz para o ônibus. Foi um bom dia!

Arcos e praça
Detalhe do tipo de construção

A luz do fim de tarde causa um lindo efeito nas pedras da cidade

Cerâmicas

Loja de produtos suínos