terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Aldeia Sete Estrelas

Levantei 5:50, apesar de ter programado o despertador para às 6:00. Acordei durante a noite toda, uma chuva inclemente caía em Cruzeiro do Sul e eu pensava se conseguiríamos passar pela estrada até nosso destino. Quando criança eu tinha o sono pesado, despreocupado, acho que a vida adulta me deixou com o sono leve.

Arrumar mala apertada é um problema. Embora tudo possa ser levado nela, qualquer coisa que você quer, a troca que se faz é pelo tempo. Tempo para arrumar, tempo para recuperar um item. Mesmo tendo viajado tanto ainda posso melhorar a maneira de arrumar a mala e pensar melhor no que levar, ter roupas mais versáteis. Sempre é um lugar onde se pode melhorar.

Após mais de duas horas na estrada indo para leste, ou seja, voltando em relação ao caminho que fizemos por avião, chegamos ao ponto de embarque, a Vila de São Vicente. Demoramos mais de uma hora esperando para embarcar, um problema no motor nos segurou.

Por fim tomamos os barcos. Eram pequenas embarcações metálicas que lembravam canoas, porém motorizadas. O que me chamou a atenção foi que o motor tinha uma haste e esta por fim tinha a hélice, que eles chamavam de paleta. 

As voadeiras com nossas mochilas e malas.
Fugindo do sol e dos mosquitos.
A viagem durou 5 horas.

Durante a viagem tivemos muito tempo para refletir. Algo que me veio à cabeça recorrentemente foi que não precisamos de quase nada para viver. O contato com a natureza crua, quase intocada, me trouxe muitos pensamentos. Como inicialmente os índios chegaram aqui? Qual a história de gênese deles? Como uma nova aldeia é formada? Quando chegaram os primeiros homens branco? Qual o limite entre a cultura de um povo e o resto do mundo? O resto do mundo está vivendo melhor em comparação aos índios?

Cinco horas nas voadeiras não são fáceis. Faltando perto de uma hora de trajeto nosso condutor, Isaac, parou e fez um estrado de madeira para cada um de nós. Pudemos deitar até chegar à Aldeia Sete Estrelas.

O início da viagem em voadeiras
Logo que chegamos Luis nos recepcionou. Ele nos explicou o que faz por lá, medicina com plantas tradicionais. O filho dele que é o cacique, Ed, também estava neste momento inicial. Os Yawanawás falam o Yawá. A língua é bem sonora e curiosamente me lembrou o mandarim, embora com o tempo notei muitos sons nasais, o que me desmanchou a percepção inicial. 

Outra coisa que se nota são os traços fisionômicos. Eles se parecem com a imagem geral que temos dos bolivianos, mas mesmo assim, são diferentes.

Aproveitamos que ainda tinha luz e fomos tomar banho, no rio. A chegada fazia-se por um barranco. O banho foi ótimo, conseguir chegar limpo à Aldeia mostrou-se um desafio. 

Como nosso guia local, Tiago, não havia alertado à Aldeia de nossa chegada com antecedência, o jantar foi improvisado: banana frita, mandioca cozida, abacaxi, atém de arroz e macarrão que havíamos levado.

Quem preparou a refeição foi Luísa, esposa de Luis. Notei que ela utiliza mais o Yawá que o português para se comunicar. Era bem legal prestar atenção à maneira como ela fazia as coisas, se comunicava e interagia. Além dela na cozinha havia uma moça mais nova e diversas crianças.

Dona Luísa preparando nosso almoço.
As crianças participam ativamente das tarefas diárias.
O fogão bem rudimentar é utilizado dentro da cozinha. À esquerda ficava a área onde os alimentos eram preparados, à direita a mesa onde a refeição seria servida. Notem que entre o piso de madeira e o fogo há uma separação feita com barro.
Dormimos todos dentro do mesmo local, um churru, chapéu de palha. As redes foram dispostas em torno do mastro principal e presas em traves que ficavam dispostas ao redor da estrutura, entre um poste e outro. Tudo parte da estrutura.

O churru ainda com luz.
Já de noite, foto tirada desde o mesmo lugar.
O churru à esquerda e a barraca na qual foi acendida a fogueira, à direita.
Na estrutura ao lado uma fogueira foi acesa, acho que mais pela luz. Ficamos um bom tempo de papo por ali, notamos como a noite cai abrupta na floresta e como os sons mudam repentinamente. Os animais que dormiam de dia agora estavam alertas e vice-versa.

A previsão é de ter mais duas horas de viagem de barco amanhã.

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