sábado, 1 de junho de 2019

Veneza

O dia começou perto das seis, já que meu trem para Veneza estava marcado para sete e quinze. Como escrevi num post anterior, o café-da-manhã começa a ser servido às sete, o que é bem estranho. Porém, como eu tinha horário, resolvi entrar no refeitório e fazer um café. Também peguei um croissant para garantir.

Notei que pouco antes das sete, quando a mulher da cozinha ligou a luz, ela me olhou com cara feia de que eu não deveria estar comendo. Tudo bem, mas é que se não fosse isso eu não comeria.

O trem de alta velocidade é muito confortável, vim atualizando o blog, tentei ler um pouco, mas não estava com paciência. Dormir pouco não me deixa concentrar muito.

Quando o trem atravessou a parte do continente para as ilhas já fui me preparando. Assim que saí da estação notei que Veneza seria diferente de tudo o que eu já havia visto. Logo de cara um canal, uma igreja e aquelas construções típicas. Fiquei muito impressionado.

A chegada a Veneza
Tentei pegar um barco para chegar mais rápido ao albergue, mas na estação notei que não havia um ponto de venda. Bom, pensei, vou caminhando e assim conheço mais. 

Peguei o caminho que passava pelo gueto judaico, que eu já havia planejado visitar. A palavra ghetto em italiano significa forja, e a pronúncia correta é djêto. A pronúncia gueto é originária dos judeus ashkenazitas (alemães), já que em alemão "g" tem o som que conhecemos quando ligamos a letra "g" à letra "a", "o" ou "u". 

No caminho não aguentei e fui tirando algumas fotos
As paredes eram muito charmosas
Barcos no lugar de carros. E suas respectivas garagens.
Os judeus só podiam viver nesta região, as portas de entrada e saída eram fechadas à noite, já que as relações entre judeus e não judeus deveria ser estritamente profissional. 

O caminho que levava ao albergue era vazio, a praça, ou campo, no qual ficava o albergue também era espaçosa e pouco densa. Quando finalmente cheguei no albergue fiquei impressionado. O local fora um convento transformado em hotel, albergue, restaurante, bar, espaço de exposição de artes dentre outros.

Um dos pátios do albergue
O albergue visto de fora
Há diversos pátios, áreas abertas, salões com pé direito alto. Arquitetonicamente falando, o albergue é lindo, assim como toda a cidade. Até o reboco caindo expondo tijolos de barro torna tudo charmoso. O piso é irregular, as pontes desalinhadas, há passagens por baixo dos edifícios e becos onde tive de passar de lado, de tão estreitos.

As escadas
A vista do hall do meu andar
Vista para o pátio
Depois de deixar minha mala no albergue segui meu mapa e fui visitar os pontos previamente pesquisados. Comecei pela igreja de São Lorenzo. Essa igreja estava desativada e seu espaço interno estava sendo usado para uma exposição. Eu descobri que há uma exposição bienal de artes em Veneza e aparentemente é a mais famosa do mundo

A recepção ficava à esquerda, adiante era uma varanda com bar, com vista para um canal
A igreja era como um galpão, fora a porta e as janelas, havia poucos detalhes. Antes de vir à Veneza eu assisti a um vídeo explicando como funciona a cidade, a limpeza dos canais e as construções. Como a cidade foi construída em aterros o terreno é instável e por isso os edifícios são assentados nas laterais,  cujas estruturas são afixadas no solo diretamente.

A igreja de San Lorenzo
O interior da igreja de San Lorenzo
Detalhe da porta e vidraria
As paredes laterais são portanto as sustentações. A fachada é independente e por isso muitas vezes são tortas e inclinadas. Os pisos são de madeira, material que pode ser comprimido e as paredes possuem tirantes metálicos não permitindo que elas se afastem demasiadamente. 

Construções com tijolos típicas

Há pontes por todos os lados
Além disso há uma camada de material que isola a água, ou melhor dizendo, a umidade. Pode ser um tipo especial de pedra ou algum material isolante como uma manta. Mesmo assim as paredes precisam ser reparadas periodicamente para que tijolos em mau estado sejam trocados, dentre outros serviços.

A cidade é um convite à fotografia
Há detalhes por todos os lados
Vista para a igreja de San Giorgio Maggiore
Outra coisa que notei é que todo serviço que vemos cotidianamente tem de ser adaptado. Então o caminhão de lixo é um barco, o transporte de material de construção, idem. Até a ambulância é um barco com cores especiais e sirene. Já escutei algumas vezes e até vi um barco entrando na emergência.

Os canais são ruas
Atendimento médico na parte norte da ilha
O transporte nas ruas é feito com um carrinho que além das rodas inferiores tem rodas na frente, facilitando a subida nas escadas. Também vi um posto de gasolina na parte externa de uma das ilhas.

Da igreja de San Lorenzo segui para a ponte dos Suspiros, mas antes de chegar nela encontrei um bar minúsculo e charmoso, resolvi sentar e pedir uma "birra artigianale".

A primeira cerveja do dia
O bar
Já próximo à ponte, comecei a notar a horda de turistas que até então não havia visto. Ali vi o Palácio Ducal. Veneza era governada por um Doge que era eleito pela aristocracia para a posição de maneira vitalícia. O complexo administrativo do Doge era o Palácio Ducal. E ali, naquela praça, um casal oriental fazia fotos provavelmente para o casamento ou algum evento similar.

A ponte dos suspiros. A única coisa que me causou suspiros foi a enorme quantidade de turistas
Palácio Ducal
Andei um pouco mais fazendo o contorno e cheguei à praça de São Marcos, onde vi o campanário e a basílica. Ali foi o ponto de maior concentração de turistas que vi na viagem. Iguala-se ao número de turistas que vi em Amsterdã. Eu fico curioso para saber se algum dia farão alguma lei ou conseguirão mudar o sistema de visitação. Turismo traz receita, mas os turistas podem arruinar um lugar.

A praça de São Marcos 
Detalhe da basílica
Fiquei um tempo ali, passei por baixo da torre do relógio e segui em direção a ponte Rialto. Todo o entorno da praça de São Marcos estava lotado. Passando pelo relógio havia uma rua menor e ali a quantidade de turistas beirava o insuportável.

O relógio
Basílica de São Marcos
Eu anotei no meu mapa diversos bares de petiscos, chamados bácaros. Parece que eles são parte da cultura veneziana e eu não ia deixar essa parte de fora do meu roteiro. Como no caminho havia um deles, Bacarando in Corte dell'Orso, resolvi parar para tomar um copo de vinho e uns quitutes. Comi um espetinho de lula com um polvo e bacalhau empanado e frito. Acompanhou um vinho espumante. 
Entrada do Bacarando In Corte dell'Orso
Lula empanada com um polvo na ponta e bacalhau empanado. Vinho branco espumante.
Cheguei finalmente à ponte Rialto com mais turistas espremidos. Dei uma volta pelos arredores, muitas vezes isso significa caminhar para um lado do canal para descobrir que o caminho não tem saída e assim ter de voltar para o local de partida.

Ponte Rialto
O próximo ponto marcado era o antigo mercado, mas lá havia outro bar, al Mercà. Mais um copo de vinho e um polpette (bolinho frito) de tonno (atum). E para minha surpresa, bem perto dali havia um outro bar, Cantina de Mori. Desta vez comi uma carne defumada e um vinho tinto.

A vista para o mercado 
Por baixo dos arcos
Mais um relógio em detalhe
Bar al Mercá
Eu segui a sugestão que um atendente fez a uma espanhola. Depois, de papo, ela me contou que faz duas viagens ao ano, sendo uma mais barata. Perguntei quantos dias de férias ela tinha por ano, 30 úteis foi a resposta, trabalhando num banco. Não é difícil entender a crise econômica constante em que eles estão metidos.

Cantina do Mori
Cantina do Mori
Para minha surpresa, mas não tristeza, havia ainda outra cantina perto, A cantina Do Spade. Desta vez pedi uma cerveja, lula recheada com polenta mole e mozzarela empanada frita.

 Cantina do Spade
Mozzarela empanada frite e lula recheada com polenta. Desta vez, cerveja.
Segui meu passeio, vi alunos de uma escola no recreio jogando futebol enquanto supervisionados por irmãs da igreja. É impressionante que a presença católica na Itália seja fortíssima até hoje. Resolvi voltar ao gueto para visitar o museu judaico, antes de entrar comprei um doce típico dos judeus dali, era de amêndoas. Comecei a visita sozinho e depois me juntei a um grupo para visitar algumas sinagogas. 

Doces na confeitaria do Ghetto
Casa israelita de repouso
A praça do Ghetto

Havia, no edifício do museu, duas sinagogas ashkenazitas. A primeira sinagoga que visitamos era em formato oval e depois de um tempo, com o aumento da comunidade uma nova sinagoga foi construída, ambas ashkenazitas.

Fora visitamos a sinagoga turca que havia sido construída por um famoso arquiteto de igrejas. Como ele não era judeu, utilizou elementos que utilizava em igrejas, mas que não tinham muito uso para o ritual judaico. O arquiteto era católico porque judeus não podiam fazer parte das guildas profissionais. Ou seja, mais uma vez, reserva de mercado. 

A sinagoga turca 
O artista que fez a bimá, parte elevada para reza, também era especializado em igrejas e seus desenhos no estilo barroco enfeitavam as colunas de madeira. 

Detalhes da Bimá 
Como a Itália sempre foi um centro para o judaísmo, aqui há mais do que a tradicional divisão ashkenazitas e sefaraditas. Há também os judeus do levante (império otomano) e os judeus de Roma, que estão estabelecidos na Itália há vinte e dois séculos. 

Depois da visita, um pouco cansado de tanto andar, comecei a voltar para o hotel, mas no caminho havia um bar e eu já estava ficando com fome. O bar de chamava Il Paradiso Perduto. Novamente uma seleção de acepipes, o barman escolheu para mim uma pasta de bacalhau amanteigado, sardinha num molho e bacalhau frito, acompanhou uma cerveja artesanal italiana.

Entrada do Il Paradiso Perduto
Sardinha, bacalhau empanado frito e bacalhau amanteigado
O albergue ficava perto, mas o outro bar era mais perto ainda. O bar de chamava Il Santo Bevitore e contava com uma seleção impressionante de cervejas. Provei uma wit e uma stout, ambas italianas.

A porta do Il Santo Bevitore
Uma bela seleção de acepipes
E uma bela seleção de cervejas


Depois que levei a roupa resolvi sair para jantar. Eu tinha indicação de bar e de região, mas tanto o bar quanto a região não estavam movimentados. Acabei comendo num restaurante pouco glamouroso, mas que me serviu dois pratos, vinho e água por doze euros. 

Primeiro prato: linguine com sardinha
Peixe do dia com polenta
Espinafre
Agora eu estava livre para caminhar. A cidade estava bem vazia em comparação ao dia e gostei bastante de caminhar por ela de noite. Tentei achar um bar, mas quando cheguei lá estava mais para restaurante. No caminho de volta o Google Maps me mostrou um caminho errado que passava por dentro da água. Tive que dar uma volta de trinta minutos contando tudo. Separei o problema em partes para não ser enganado novamente.

Buscando onde comer, pude ver diversas partes da cidade
Perto da estação de tem
Na região onde comi
Um belo edifício iluminado
Canais à noite
Veneza é, sem dúvida, uma das cidades mais diferentes em que já estive. É uma dos lugares que mais me impressionaram até hoje.

Detalhe de uma gôndola passando num canal
Uma construção bem antiga
Bela vista no restaurante 
Canais calmos
Mais uma ponte

Um comentário:

Unknown disse...

Muito bom! Veneza é muito interessante. Se andar de gôndola só cuidado com os gondoleiros....